Artigo
Amizade em Saint-Exupéry
Por Paulo Rosa
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Antoine de Saint-Exupéry, 1900-1944, ficou famoso no mundo por um único e surpreendente livro, O Pequeno Príncipe. Escreveu outros, sobre sua paixão por pilotar aviões, sem maior repercussão.
O francês dedica o texto, e as aquarelas que o ilustram, a Léon Werth, e o faz com esmerado empenho: "A Léon Werth. Peço perdão às crianças por dedicar este livro a uma pessoa grande. Tenho uma desculpa séria: essa pessoa grande é o melhor amigo que possuo no mundo. Tenho uma outra desculpa: essa pessoa grande é capaz de compreender todas as coisas, até mesmo os livros de criança. Tenho ainda uma terceira: essa pessoa grande mora na França, e ela tem fome e frio. Ela precisa de consolo. Se todas essas desculpas não bastam, eu dedico então esse livro à criança que essa pessoa grande já foi. Todas as pessoas grandes foram um dia crianças. (Mas poucas se lembram disso). Corrijo, portanto, a dedicatória: A Léon Werth, quando ele era pequenino".
Ele abre o texto, recordando que, de menino, vira um livro de gravuras onde uma jiboia engolia uma fera inteira e depois ficava seis meses imóvel, fazendo a digestão. Impressionado, ele faz um desenho e mostra aos adultos, perguntando-lhes se o que desenhara lhes desperta medo. Teve como resposta: "por que um chapéu faria medo?" "Meu desenho não representava um chapéu. Representava uma jiboia digerindo um elefante. Desenhei então o interior da jiboia, a fim de que as pessoas grandes pudessem compreender. Elas têm sempre necessidade de explicações".
Passagem criativa extraordinária, dá o tom de crítica aos ditos adultos, coisa que percorre todo o livro. Ali onde se questiona a gente grande que, desavisada, dissolve a criança que um dia foi. Tais pessoas nunca chegam a adultos. Adulto é-se quando e se conseguirmos aprender a olhar, vendo o que há; a escutar, ouvindo o que vem de fora e percebendo também as vozes interiores, os julgamentos pessoais; a sentir com corpo, coração e alma, apenas com as inevitáveis concepções personalíssimas; se possível, com mínimos preconceitos. Tudo isso sem nunca perdermos a posição de aprendiz. Para tal benefício, só se conservarmos viva a criança que fomos, i.e., aquela que julgamos ter sido, cuja curiosidade, espera-se, jamais morrerá.
Mais sobre o final Exupéry dá o xeque-mate: "os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!". Na sequência o francês dá uma espécie de passo a passo de como cativar. Aproximar-se lentamente, nada dizer, de entrada. "A linguagem é uma fonte de mal-entendidos", alerta-se ao cativante. "Cada dia sentarás mais perto...". Culmina o processo, destacando que cativar/ser cativado implica potencial inevitável sofrimento.
Ser amigo mantém traço de infância para sempre. Perene verdade leve libertadora.
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